Ana Paula Pedro*
Em tempos de globalização, novas demandas chegam às escolas. Hoje, é preciso Educar para a cidadania global, que reconhece e valoriza a diversidade existente no mundo.
A
globalização é um conceito frequentemente utilizado com sentidos díspares e
perspectivas antagônicas, caracterizando-se, sobretudo, por sua natureza
polissêmica, ambivalente e ideológica. Por outro lado, a noção de globalidade
parece remeter-nos falsamente a uma ideia aparente de conjunto, integração e
totalidade. [LIMOEIRO-CARDOSO, 1999]. Evocar, desse modo, uma homogeneidade
contribui apenas para dificultar e omitir uma existência global que divide,
marginaliza, expulsa e exclui, atingindo assim a vida dos sujeitos.
Nesse sentido, pode-se dizer que
globalizado e fragmentado são duas faces de um processo estreitamente
vinculadas entre si, marcadas por aspectos múltiplos, complexos e
contraditórios. Ao mesmo tempo em que gera desenvolvimentos integradores, a
globalização reforça a tendência para a fragmentação e a desintegração, como
algumas formas de nacionalismos étnicos, desigualdades crescentes entre países
ricos e pobres, desemprego, aumento da pobreza e exclusão social [THERBORN,
1999, p.111].
Na perspectiva de Boaventura Santos (1998), o neoliberalismo tem criado em torno de si um considerável consenso econômico, marcado pela liberalização do mercado, privatizações, minimalismo estatal e cortes nas despesas sociais. Há ainda o consenso de um Estado fraco, que deixa de ser o espelho da sociedade civil e que deveria proteger os cidadãos nos seus direitos mais básicos e passa a representar o seu oposto. O neoliberalismo tem criado também um consenso democrático liberal, que consiste na promoção de concepções minimalistas de democracia como condição de acesso dos Estados aos recursos financeiros internacionais. Além disso, há um consenso do primado do direito e dos tribunais, dando total prioridade à propriedade privada e às relações mercantis.
Em outras
palavras, o fenômeno da globalização pauta-se por uma ideologia de pensamento
único [LIMOEIRO-CARDOSO, 1999], que impõe uma ideia de inevitabilidade de uma
determinada política econômica [o neoliberalismo]. Parte ainda do pressuposto
fundamental de que o intervencionismo estatal é prejudicial ao mercado
capitalista, que se configura como uma garantia para a democracia individual.
Neste final
de século, a dinâmica dominante é a do totalitarismo dos regimes globalitários.
Ela se fundamenta na ideologia do pensamento único, o qual decretou que uma só
política econômica é, a partir de agora, possível, e que somente os critérios
do neoliberalismo e do mercado permitem a uma sociedade sobreviver,
subordinando os direitos dos cidadãos a uma lógica capitalista [RAMONET, 1997,
p.1, tradução nossa].
Esse
enquadramento neoliberal tem, inevitavelmente, consequências no exercício da
cidadania, na medida em que o Estado passa a ter menos poder ao transferir para
o setor privado funções que deveriam lhe pertencer, acarretando em prejuízo
para os cidadãos. Além disso, a vida humana torna-se cada vez mais
desvalorizada em face dos interesses supremos da economia e do individualismo,
e os trabalhadores veem os seus direitos reduzidos, com menor proteção social e
com salários mais baixos [DIAS, 2004]. Tudo isso configura um situação em que
os cidadãos se sentem frágeis, vulneráveis e incapazes de mudar seja o que for,
acrescida de um sentimento de que algo maior do que eles controla as suas
vidas. Apesar disso, surge um conjunto de resistências, dissidências e
contracorrentes que geram uma nota de esperança para a mudança. Pensemos,
então, em exemplos como a mobilização dos povos indígenas pela autodeterminação
ou nos movimentos dos sem terra no Brasil, nas lutas em defesa do meio ambiente
e os movimentos pela paz [SILVA, 2000]. No entanto, devemos nos questionar: por
que são tão escassos ainda?
EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS
A
globalização não pode ser entendida exclusivamente numa perspectiva
economicista neoliberal, mas a partir de outra dimensão alternativa, humanista
e contra hegemônica, defensora dos direitos humanos, da democracia e do meio
ambiente, em que a educação tem um papel relevante a desempenhar. É preciso
atentar ao fato de que a globalização nem sempre é a fonte de todos os males.
Afinal, há a globalização “vinda de cima” [FALK, 1993], fruto de coligações
realizadas entre Estados dominantes e mercados transnacionais, e a globalização
“vinda de baixo” [MORGADO; FERREIRA, 2006], caracterizada pela conscientização
da solidariedade humana, pela valorização da diferença e da diversidade
humanas.
Isso não
significa, porém, que devamos nos esquecer dos efeitos negativos da
globalização, em que os direitos das empresas ficam acima dos direitos dos
cidadãos. A perspectiva contra hegemônica de globalização torna-se fundamental
numa sociedade democrática, que respeita os direitos humanos e a diversidade
cultural [MORGADO; FERREIRA, 2006]. Caberá, pois, à educação favorecer o
diálogo para um acordo, criando uma universalidade que “vem de baixo”, constituindo-se,
assim, como a principal via para a construção de uma democracia comunicativa
global.
Esse caráter
de universalização promovido pela educação permite que a escola também possa
contribuir para globalizar as políticas democráticas, numa perspectiva de
globalização humanizadora, em que os direitos humanos constituam o elemento
primordial da nova ética. Com isso, a escola exerceria uma função contra
hegemônica. Mas como questiona Stavenhagen (1996), estarão os sistemas
educativos efetivamente preparados para fornecer aos jovens os instrumentos
(conhecimentos) adequados para fazer face aos novos tempos de globalização e de
mudança? Que alterações são necessárias para que uma consciência social,
responsável e solidária possa efetivamente ocorrer? A educação será capaz de
inverter as tendências fortemente globalizantes?
Embora
consideremos que não cabe à escola operacionalizar todas as mudanças que a
sociedade, sozinha, não consegue promover, temos uma profunda convicção de que
compete a essa instituição um importante papel. Afinal, a escola não pode
manter-se alheia ou indiferente à formação de uma cultura de respeito à
dignidade humana e a valores como liberdade, justiça, igualdade e solidariedade.
Em nosso entender, a escola deve (re)considerar-se como uma organização
democrática, em que a comunicação, de acordo com a concepção de Habermas (2000)
do termo, está fundamentada por um diálogo que visa a acordos justos, que
respeitam princípios, como a sinceridade e a inclusão de todos os
interlocutores. Os interesses dos sujeitos devem estar submetidos à revisão da
força argumentativa e respeitar a diferença. É, então, por meio dessa atitude
dialógica que a educação deve fomentar uma consciência crítica, reconhecendo os
outros como interlocutores válidos com direito a expressarem os seus
interesses. Deve ainda promover o desenvolvimento de capacidades de
participação num coletivo, sempre à procura de uma decisão final que expresse
os interesses de todos.
Como
organização dialógica comunicativa, a escola pode contribuir para a defesa dos
princípios de justiça, de igualdade e dos direitos humanos, em face da
diversidade e da pluralidade, respondendo, assim, a alguns dos desafios que se
colocam à educação nestes tempos de globalização. Há ainda que registrar a
existência de um padrão de valores pós-materialistas, como o alargamento e a
extensão do entendimento de direito ao patrimônio histórico, que não se confina
apenas a edifícios históricos, mas também a bens ambientais, culturais,
símbolos do passado que a sociedade industrial tem colocado em risco. Além
disso, a responsabilidade global em face dos desequilíbrios ecológicos originou
formas mais aprofundadas de cidadania, tanto pela criação de direitos quanto
pela ampliação do espaço de intervenção e de participação políticas no processo
de construção da sociedade (REIS, 2000).
Em tempos de
globalização, coloca-se à escola outro desafio: o de educar para uma cidadania global.
As migrações ocorridas em várias partes do mundo e o convívio crescente com a
diversidade étnica, cultural, social e linguística, trazem questões a serem
trabalhadas no cotidiano escolar. É preciso tratar essas questões de forma
democrática, participativa e solidária, lembrando que representam uma
oportunidade de enriquecimento do trabalho pedagógico.
Por isso, se
torna indispensável contribuir para uma formação de professores e educadores
informados, reflexivos e críticos, cidadãos da era da globalização, intervenientes
nas questões de seu tempo. Eles devem ainda ser capazes de se distanciarem da
sua cultura e de seus valores de origem e, sem os perder, olhar “segundo a
perspectiva da cultura do outro”, valorizando-a. É preciso ainda que promovam o
respeito pelas diversidades e identidades várias dos seus alunos. No entanto, é
preciso ajudar a unificar e a compreender harmoniosamente, para que o sujeito
possa realizar as suas escolhas em liberdade e se sentir implicado e
comprometido com uma educação para a cidadania democrática e responsável.
Em última
análise, a cidadania global não traduz um conceito adquirido que indique
pertença natural a um Estado-nação, delimitado por fronteiras geográficas, mas
antes um reconhecimento de um novo modus
vivendi em permanente construção, uma forma acrescida de estar e de viver
com os outros.
FONTE:
Presença Pedagógica. Editora Dimensão. v.18, n.106, jul/ago.
2012.p.30-35.
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