27 de outubro de 2013

Educação e Cidadania: limites e desafios




Ana Paula Pedro*


Em tempos de globalização, novas demandas chegam às escolas. Hoje, é preciso Educar para a cidadania global, que reconhece e valoriza a diversidade existente no mundo.



A globalização é um conceito frequentemente utilizado com sentidos díspares e perspectivas antagônicas, caracterizando-se, sobretudo, por sua natureza polissêmica, ambivalente e ideológica. Por outro lado, a noção de globalidade parece remeter-nos falsamente a uma ideia aparente de conjunto, integração e totalidade. [LIMOEIRO-CARDOSO, 1999]. Evocar, desse modo, uma homogeneidade contribui apenas para dificultar e omitir uma existência global que divide, marginaliza, expulsa e exclui, atingindo assim a vida dos sujeitos.

Nesse sentido, pode-se dizer que globalizado e fragmentado são duas faces de um processo estreitamente vinculadas entre si, marcadas por aspectos múltiplos, complexos e contraditórios. Ao mesmo tempo em que gera desenvolvimentos integradores, a globalização reforça a tendência para a fragmentação e a desintegração, como algumas formas de nacionalismos étnicos, desigualdades crescentes entre países ricos e pobres, desemprego, aumento da pobreza e exclusão social [THERBORN, 1999, p.111].




Na perspectiva de Boaventura Santos (1998), o neoliberalismo tem criado em torno de si um considerável consenso econômico, marcado pela liberalização do mercado, privatizações, minimalismo estatal e cortes nas despesas sociais. Há ainda o consenso de um Estado fraco, que deixa de ser o espelho da sociedade civil e que deveria proteger os cidadãos nos seus direitos mais básicos e passa a representar o seu oposto. O neoliberalismo tem criado também um consenso democrático liberal, que consiste na promoção de concepções minimalistas de democracia como condição de acesso dos Estados aos recursos financeiros internacionais. Além disso, há um consenso do primado do direito e dos tribunais, dando total prioridade à propriedade privada e às relações mercantis.
Em outras palavras, o fenômeno da globalização pauta-se por uma ideologia de pensamento único [LIMOEIRO-CARDOSO, 1999], que impõe uma ideia de inevitabilidade de uma determinada política econômica [o neoliberalismo]. Parte ainda do pressuposto fundamental de que o intervencionismo estatal é prejudicial ao mercado capitalista, que se configura como uma garantia para a democracia individual.
Neste final de século, a dinâmica dominante é a do totalitarismo dos regimes globalitários. Ela se fundamenta na ideologia do pensamento único, o qual decretou que uma só política econômica é, a partir de agora, possível, e que somente os critérios do neoliberalismo e do mercado permitem a uma sociedade sobreviver, subordinando os direitos dos cidadãos a uma lógica capitalista [RAMONET, 1997, p.1, tradução nossa].
Esse enquadramento neoliberal tem, inevitavelmente, consequências no exercício da cidadania, na medida em que o Estado passa a ter menos poder ao transferir para o setor privado funções que deveriam lhe pertencer, acarretando em prejuízo para os cidadãos. Além disso, a vida humana torna-se cada vez mais desvalorizada em face dos interesses supremos da economia e do individualismo, e os trabalhadores veem os seus direitos reduzidos, com menor proteção social e com salários mais baixos [DIAS, 2004]. Tudo isso configura um situação em que os cidadãos se sentem frágeis, vulneráveis e incapazes de mudar seja o que for, acrescida de um sentimento de que algo maior do que eles controla as suas vidas. Apesar disso, surge um conjunto de resistências, dissidências e contracorrentes que geram uma nota de esperança para a mudança. Pensemos, então, em exemplos como a mobilização dos povos indígenas pela autodeterminação ou nos movimentos dos sem terra no Brasil, nas lutas em defesa do meio ambiente e os movimentos pela paz [SILVA, 2000]. No entanto, devemos nos questionar: por que são tão escassos ainda?

EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS

A globalização não pode ser entendida exclusivamente numa perspectiva economicista neoliberal, mas a partir de outra dimensão alternativa, humanista e contra hegemônica, defensora dos direitos humanos, da democracia e do meio ambiente, em que a educação tem um papel relevante a desempenhar. É preciso atentar ao fato de que a globalização nem sempre é a fonte de todos os males. Afinal, há a globalização “vinda de cima” [FALK, 1993], fruto de coligações realizadas entre Estados dominantes e mercados transnacionais, e a globalização “vinda de baixo” [MORGADO; FERREIRA, 2006], caracterizada pela conscientização da solidariedade humana, pela valorização da diferença e da diversidade humanas.
Isso não significa, porém, que devamos nos esquecer dos efeitos negativos da globalização, em que os direitos das empresas ficam acima dos direitos dos cidadãos. A perspectiva contra hegemônica de globalização torna-se fundamental numa sociedade democrática, que respeita os direitos humanos e a diversidade cultural [MORGADO; FERREIRA, 2006]. Caberá, pois, à educação favorecer o diálogo para um acordo, criando uma universalidade que “vem de baixo”, constituindo-se, assim, como a principal via para a construção de uma democracia comunicativa global.
Esse caráter de universalização promovido pela educação permite que a escola também possa contribuir para globalizar as políticas democráticas, numa perspectiva de globalização humanizadora, em que os direitos humanos constituam o elemento primordial da nova ética. Com isso, a escola exerceria uma função contra hegemônica. Mas como questiona Stavenhagen (1996), estarão os sistemas educativos efetivamente preparados para fornecer aos jovens os instrumentos (conhecimentos) adequados para fazer face aos novos tempos de globalização e de mudança? Que alterações são necessárias para que uma consciência social, responsável e solidária possa efetivamente ocorrer? A educação será capaz de inverter as tendências fortemente globalizantes?
Embora consideremos que não cabe à escola operacionalizar todas as mudanças que a sociedade, sozinha, não consegue promover, temos uma profunda convicção de que compete a essa instituição um importante papel. Afinal, a escola não pode manter-se alheia ou indiferente à formação de uma cultura de respeito à dignidade humana e a valores como liberdade, justiça, igualdade e solidariedade. Em nosso entender, a escola deve (re)considerar-se como uma organização democrática, em que a comunicação, de acordo com a concepção de Habermas (2000) do termo, está fundamentada por um diálogo que visa a acordos justos, que respeitam princípios, como a sinceridade e a inclusão de todos os interlocutores. Os interesses dos sujeitos devem estar submetidos à revisão da força argumentativa e respeitar a diferença. É, então, por meio dessa atitude dialógica que a educação deve fomentar uma consciência crítica, reconhecendo os outros como interlocutores válidos com direito a expressarem os seus interesses. Deve ainda promover o desenvolvimento de capacidades de participação num coletivo, sempre à procura de uma decisão final que expresse os interesses de todos.
Como organização dialógica comunicativa, a escola pode contribuir para a defesa dos princípios de justiça, de igualdade e dos direitos humanos, em face da diversidade e da pluralidade, respondendo, assim, a alguns dos desafios que se colocam à educação nestes tempos de globalização. Há ainda que registrar a existência de um padrão de valores pós-materialistas, como o alargamento e a extensão do entendimento de direito ao patrimônio histórico, que não se confina apenas a edifícios históricos, mas também a bens ambientais, culturais, símbolos do passado que a sociedade industrial tem colocado em risco. Além disso, a responsabilidade global em face dos desequilíbrios ecológicos originou formas mais aprofundadas de cidadania, tanto pela criação de direitos quanto pela ampliação do espaço de intervenção e de participação políticas no processo de construção da sociedade (REIS, 2000).
Em tempos de globalização, coloca-se à escola outro desafio: o de educar para uma cidadania global. As migrações ocorridas em várias partes do mundo e o convívio crescente com a diversidade étnica, cultural, social e linguística, trazem questões a serem trabalhadas no cotidiano escolar. É preciso tratar essas questões de forma democrática, participativa e solidária, lembrando que representam uma oportunidade de enriquecimento do trabalho pedagógico.
Por isso, se torna indispensável contribuir para uma formação de professores e educadores informados, reflexivos e críticos, cidadãos da era da globalização, intervenientes nas questões de seu tempo. Eles devem ainda ser capazes de se distanciarem da sua cultura e de seus valores de origem e, sem os perder, olhar “segundo a perspectiva da cultura do outro”, valorizando-a. É preciso ainda que promovam o respeito pelas diversidades e identidades várias dos seus alunos. No entanto, é preciso ajudar a unificar e a compreender harmoniosamente, para que o sujeito possa realizar as suas escolhas em liberdade e se sentir implicado e comprometido com uma educação para a cidadania democrática e responsável.
Em última análise, a cidadania global não traduz um conceito adquirido que indique pertença natural a um Estado-nação, delimitado por fronteiras geográficas, mas antes um reconhecimento de um novo modus vivendi em permanente construção, uma forma acrescida de estar e de viver com os outros.


FONTE:
Presença Pedagógica. Editora Dimensão. v.18, n.106, jul/ago. 2012.p.30-35.

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