A ciência, como fenômeno social, não está isenta de certa tendência à personalização. Diferente em alguns aspectos das demais atividades produtivas, o domínio técnico e de conhecimentos específicos faz do cientista um indivíduo que centraliza poder por estar dotado de metodologia para a compreensão da realidade e por concentrar técnicas que possibilitam o domínio sobre a natureza.
Adorno e Horkheimer (1985) afirmam que
o mito já é esclarecimento. Na era da quantificação, a ciência (resultado do
pensamento iluminista) esconde a barbárie por meio de discursos fundamentados
numa suposta neutralidade, além de mascarar interesses econômicos, estando
supostamente desvinculada de tendências ideológicas ou políticas. Revestida da
afirmação da neutralidade "a ciência ocupa hoje o lugar do Verbo Divino. A
casta dos cientistas substitui a hierarquia eclesiástica como elemento mediador
entre a palavra superior e a coletividade humana" (TRAGTENBERG, 2004,
p.64).
O entendimento de Tragtenberg em
relação à ciência não deixa de ser uma crítica à tendência de dogmatizar a
ciência e de elevá-la comparativamente às demais formas de mitologização. Dessa
forma, Tragtenberg é mais Marx e menos Weber, pelo menos nesse quesito. Assim,
tal como Marx, que vê na ciência uma concepção iluminista na maior parte,
Tragtenberg acredita na ciência como força progressista, potencial e
esclarecedora, pois proporciona aos homens maior poder sobre a natureza,
contribuindo para o direcionamento do destino dos mesmos.
Apesar disso, Tragtenberg não se ilude
com ela, pois sabe da perversidade da burocracia e como ela é capaz de retirar
a autonomia dos indivíduos e dos grupos organizados, aspecto pelo qual Weber
está presente na crítica da ciência burocratizada. Assim, se Tragtenberg, por
um lado, não concorda com o sentido de "neutralidade axiológica"
presente em Weber, por outro, recusa a apologia da ciência, sobretudo,
recusando o otimismo dos que "louvam a ciência – isto é, a técnica de
controlar a vida baseada na ciência – como o caminho para a felicidade"
(WEBER, 2003, p.177).
A ciência, como fenômeno social, não
está isenta de certa tendência à personalização. Diferente em alguns aspectos
das demais atividades produtivas, o domínio técnico e de conhecimentos
específicos faz do cientista um indivíduo que centraliza poder por estar dotado
de metodologia para a compreensão da realidade e por concentrar técnicas que
possibilitam o domínio sobre a natureza.
Apesar disso,
a importância da ciência para a
humanidade não se encontra vinculada ao papel dos cientistas. Estes, na maioria
das vezes, restringem-se ao papel de novos sacerdotes à procura de rebanho para
ser cuidado. Tragtenberg sabia e procurava reafirmar constantemente que os
saberes não se restringiam à ciência, que esta não ocupava uma posição superior
ante os demais saberes e que tampouco teria condições de disciplinar a todos.
(PASSETTI, 2001, p.106)
No entendimento de Tragtenberg, a
ciência é mais uma forma de saber, que se torna dominante porque é apropriada e
utilizada pelas classes dominantes, efetivando-se, além disso, como principal
instrumento técnico no incremento produtivo, no processo de circulação das
mercadorias, no ato de consumo e no fomento ideológico necessários para intensificar
a relação produção-consumo. A neutralidade anunciada, portanto, está camuflada.
Mesmo os apontamentos de Weber em relação aos limites da ciência, não deixam de
ser criticados por filósofos ainda mais radicais (no sentido de ir à raiz) em
relação ao papel da ciência na contemporaneidade. Entre esses filósofos,
destaca-se Mészáros:
Weber justifica sua "análise
científica tipológica" a partir de sua pretensa "conveniência".
Sua cientificidade só existe, porém, por definição. De fato, a aparência de
"cientificidade tipológica rigorosa" surge das definições
"inequívocas" e "convenientes" com que Max Weber sempre
empreende a discussão dos problemas selecionados. Ele é um mestre sem rival nas
definições circulares, justificando seu próprio procedimento teórico em termos
de "clareza e ausência de ambiguidade" de seus "tipos
ideais", e da "conveniência" que, segundo se diz, eles oferecem.
Além disso, Weber nunca permite que o leitor questione o conteúdo das próprias
definições nem a legitimidade e validade científica de seu método, construído
sobre suposições ideologicamente convenientes e definições circulares
"rigorosamente" autossustentadas. (MÉSZÁROS, 2007, p.72)
A crítica de Mészáros a Weber
caracteriza-se pela sua natureza ideológica. O entendimento de "tipo
ideal" manifesta a tentativa de absolver a
ciência de qualquer interferência de ordem econômica ou pessoal. A suposta
ciência neutra existe como uma representação idealizada, mesmo que conceitualmente
haja uma circularidade criada pelo próprio Weber para "purificá-la".
A tentativa de criar uma ciência neutra, sem influência dos interesses ou
vieses que contaminem seus pressupostos de neutralidade, é tão dogmática quanto
a tentativa dos sacerdotes de afirmar a existência de uma religião salvadora.
A crença dos cientistas na neutralidade
científica é a mesma da dos fiéis em relação às suas religiões. A necessidade
da existência de um ente superior manifesta-se com racionalidades diferentes, mas
que procuram aconchegar os mesmos temores humanos. A via para essa tentativa é
distinta. Os resultados podem ser diferentes, mas o que se procura, tanto em
uma quanto em outra, é a consolidação de uma elite específica. Tanto a elite
dos sacerdotes como a dos cientistas procura essa diferenciação no interior da
sua própria classe. É importante ressaltar, também, que, apesar dessa
"corrida" pelas diferenciações, ocorrem lutas ideológicas, cada qual
com seus pressupostos, premissas e verdades.
Fonte:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-39512010000100004&lng=pt&nrm=iso
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