Interesses comerciais não podem ser confiáveis para conduzir a humanidade, insiste o principal orador da FutureFest
Bertolt Meyer |
Por Vanessa Thorpe
Bertolt Meyer, o acadêmico conhecido como
"homem biônico", disse neste domingo que cientistas e engenheiros não
deveriam poder lançar no mercado certos avanços tecnológicos sem um debate
ético precedente.
Meyer, um dos principais oradores da FutureFest,
evento que ocorreu na região leste de Londres no penúltimo fim de semana, tem
desde 2009 um braço e mão artificiais de alta tecnologia que custaram 40 mil
libras (cerca de R$ 138 mil). Ao falar para o público no salão da prefeitura de
Shoreditch, ele perguntou se as pessoas devem deixar que as leis da oferta e
procura decidam como a raça humana avança para um provável futuro
"biônico"; uma época em que os corpos dos que têm dinheiro poderão
ser aperfeiçoados e aumentados. "Estamos chegando a um ponto em que as
pessoas com membros artificiais poderão levar vantagem. Se eles começarem a
atrair a todos, um mercado de massa se desenvolverá", disse ele.
Os engenheiros na linha de frente da pesquisa nem sempre estão preparados para pensar no impacto de seu trabalho e nos dilemas éticos envolvidos, argumentou.
Falando ao Observer mais tarde, Meyer
disse acreditar que o mundo dos negócios seria "arrogante e ingênuo"
se continuasse supondo que os interesses comerciais poderão solucionar os
problemas do mundo por si sós: "Essas questões têm de ser decididas por
legisladores, mas um debate público como este ajuda a fazer as pessoas
pensarem. Somente os órgãos de alto nível terão autoridade para implementar
leis. Eles precisam decidir como vamos regulamentar o mercado".
Meyer acrescentou que em certas partes do mundo a
cirurgia cosmética já criou uma nova norma para os ricos. "Os pensadores
éticos já estão analisando essas coisas, é claro, mas não existe uma verdadeira
voz pública." E acrescentou: "Mas certamente não acho que todas essas
inovações sejam necessariamente negativas".
O documentário de Meyer, "Como construir um
homem biônico", foi exibido no Channel 4 da Grã-Bretanha em fevereiro e
será transmitido nos Estados Unidos no próximo mês. Ele examina os membros
protéticos avançados que em breve estarão disponíveis por um alto preço e
também protótipos de órgãos artificiais, incluindo pulmões e rins plásticos implantáveis,
que não são rejeitados pelo corpo do receptor.
Os Jogos Paraolímpicos de 2012 deram destaque ao
perfil da deficiência com alto desempenho e à questão das vantagens injustas
que a tecnologia pode criar. Meyer se perguntou se uma reação está a caminho, e
falou sobre como se orgulha de seu braço high-tech, que lhe
deu nova confiança, enquanto sua prótese anterior era "muito anos 70"
e lhe causava vergonha.
Meyer também investigou as implicações da recente
história do menino britânico de 14 anos Matthew James, que, como Meyer, nasceu
com dismelia, a rara condição que faz que um dos braços termine no cotovelo.
Recusado pelo Sistema Nacional de Saúde, ele escreveu à equipe de fórmula 1 da
Mercedes, sua favorita, e se ofereceu para exibir seu logotipo em uma nova
prótese de última geração se a empresa o ajudasse a pagar por ela. A Mercedes
contribuiu com 30 mil libras, mas não quis aceitar a oferta do espaço
publicitário.
"Acho que essa é uma história terrível, e não
boa", disse Meyer. "Não podemos deixar tudo para os empreendedores
individuais. 'Fome? Oh, sim, há um app ou um plano empresarial
para isso!' As questões éticas estão no final da lista de prioridades das
grandes corporações. Não podemos deixar essas coisas só para as empresas."
A FutureFest é um evento organizado pela Nesta
(Fundação Nacional para Ciência, Tecnologia e Artes) da Grã-Bretanha, com
curadoria de Pat Kane, o músico e ativista social escocês. Ao abrir o evento,
Kane pediu que os visitantes pensem no festival como "uma espécie de Glastonbury
para a metade do século".
O autor Nick Harkaway, o primeiro a falar ao
público, disse que é pena que o hábito de olhar para o futuro com esperança
tenha decaído nas últimas décadas. O fim do conceito de era espacial dos anos
1960, juntamente com a divisão gratuita entre artes e ciências, haviam
desiludido muitas pessoas. "Não falamos de maneira otimista sobre o futuro
há algum tempo, mas podemos ter certeza de que no ano que vem estaremos duas
vezes mais a favor de mudanças que este ano, e isso aumentará exponencialmente
de agora em diante."
Para abordar esse ritmo acelerado de mudanças, a
Escola Martin de Oxford, um grupo de pesquisadores e pensadores da Universidade
de Oxford, ofereceu uma série de debates como parte do festival no fim de semana.
Outras atrações incluíram o conceito de uma cidade do futuro de vidro, uma
concha gigante que canta e uma apresentação interativa que promete
"exumar" grandes pensadores do passado para sabermos o que eles
pensam sobre os destinos da humanidade.
Por baixo dos palestrantes e do público, nos túneis
no porão da prefeitura, engenheiros e cientistas exibiram avanços tecnológicos,
enquanto em um canto do subterrâneo havia uma série de objetos que poderão se
revelar os principais avanços científicos dos próximos 50 anos. Entre eles está
"Micromort", um dispositivo portátil "criado em 2032" para
avaliar riscos com base na análise de dados, incluindo pressão sanguínea, suor
e outras manifestações físicas de estresse. A seu lado há um kit contra
desastres, supostamente desenvolvido em Teerã em 2020, que permite a médicos na
cena de um desastre natural ou epidemia se localizarem e conversarem enquanto
tratam os feridos. Ao lado há evidências de uma iniciativa chamada Coletivo
Braid, na qual artistas de todo o mundo podem apoiar o trabalho de outros por
meio de financiamento coletivo (crowd funding). Entre as
tecnologias mais avançadas do futuro está um projeto do final do século XXI
para diminuir a temperatura em Vênus.
Pensando à frente: domingo na FutureFest
A revolução altruísta: a modelo e atriz Lily Cole
explica a origem de sua nova rede otimista de troca de presentes,
impossible.com.
Saindo intacto do século XXI: Jaan Tallinn, o
programador que fundou o Skype, fala sobre as crises que poderão ocorrer no
futuro se a tecnologia e o design enlouquecerem.
A religião do futuro: Roberto Unger, filósofo e
ex-ministro do governo brasileiro, examina a evolução da fé em um mundo com
déficit de atenção.
O futuro já aconteceu. Enfrente-o: Robin Ince,
comediante e apresentador de programas de ciência na BBC, afirma que somos
complacentes sobre os benefícios que a ciência e a tecnologia nos trouxeram até
agora.
Futura decepção, uma visão de 2050: o mágico Stuart
Nolan mostra como o estudo da natureza das ilusões poderá nos guiar pelas
mudanças que a humanidade enfrenta.
Leia mais em guardian.co.uk
http://www.cartacapital.com.br/tecnologia/homem-bionico-adverte-sobre-campo-minado-na-etica-4796.html
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