6 de abril de 2011

Quem pode ser amado por Narciso?

 

(...) as relações intersubjetivas não se processam em um espaço vazio, mas sim no âmago das práticas sociais (...)



Guilherme Aguiar
Professor de Literatura



     No princípio, bastavam os mitos: "Narciso era um jovem muito belo, que desprezava o amor. (...) Quando nasceu, os seus pais consultaram o advinho Tirésias, que lhes disse que a criança viveria até ser velho, se não olhasse para si mesmo. Chegado à idade adulta, Narciso foi objeto da paixão de grande número de raparigas e de ninfas. Mas ele ficava insensível. (...) As jovens desprezadas por Narciso pediram vingança aos céus. Némesis ouviu-as e fez com que, num dia de grande calor, depois de uma caçada, Narciso se debruçasse sobre uma fonte, para se dessedentar. Nela via o seu rosto, tão belo, e imediatamente ficou apaixonado. A partir de então, torna-se insensível a tudo o que o rodeia, debruça-se sobre a sua imagem e deixa-se morrer". (GRIMAL, s/r: 322)
     O mito de Narciso, narrado no Dicionário de Mitologia Grega e Romana de Pierre Grimal, parece conter uma exemplar representação simbólica dos princípios norteadores das relações intersubjetivas, dentre as quais inclui a relação professor/aluno, alvo das investigações do presente ensaio. O fardo de Narciso, que lhe é imposto por forças alheias a sua vontade, consiste em ser incapaz de dirigir amor a Outro que não corresponda à projeção de sua própria imagem, pois sua beleza é tanta, que lhe ofusca a visão da realidade circudante, tornando-o insensível a tudo que o rodeia.
Do mesmo modo, a tendência do indivíduo, nas relações intersubjetivas, é buscar na imagem o Outro a projeção de seus próprios anseios e, à medida que essa imagem pode ser ou não reconhecida, estabelecem-se os parâmetros de aceitação e exclusão.



     O que fica, portanto, evidente é que, aceito ou excluído, o Outro nunca é considerado em sua singularidade, pois sua imagem sempre é concebida a partir da projeção dos anseios daquele que o observa e que, ao observá-lo, busca o reconhecimento de si mesmo, ou pelo menos da imagem que faz de si mesmo. Entretanto, as relações intersubjetivas não se processam em um espaço vazio, mas sim no âmago das práticas sociais, que, com seus múltiplos discursos, funcionam como mecanismo regulador dos significados que podem, ou não, ser atribuídos à imagem do eu. Assim, definem-se, em cada época e cultura, padrões sociais binários (certo/errado; normal/anormal; belo/feio etc), que passam a ser concebidos como critérios naturais e universais de classificação dos indivíduos, criando as condições de assujeitamento, a que cada indivíduo deve submeter-se para que seja reconhecido e aceito no ambiente social em que circula.
      Depreende-se, portanto, que a ordem subjetiva não se constrói, como se poderia equivocadamente imaginar, em uma dimensão extra-histórica, porquanto os significados que se atribuem ao próprio sujeito são regulados pelo intercâmbio dos discursos sociais. Com relação a essa idéia, Ana Maria Fontes observa que o psicanalista Jacques Lacan, "ao afirmar que o inconsciente é o social, desfez toda a separação entre o indivíduo e a sociedade". (FONTES, 1999: 107) (...)



FONTE:

AGUIAR, Guilherme. Uma reflexão crítica sobre os distúrbios de aprendizagem: Quem pode ser amado por Narciso? Olimpo, Brasília, n.01, 40-41, 2011.

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